“A religião é o ópio do povo” (Marx). A política e
a ideologia cumprem o mesmo papel (assim como outras paixões populares, como o
futebol, por exemplo). Nos países de capitalismo exageradamente desigual, como
o Brasil (atenção: o capitalismo é o melhor sistema econômico que o humano já
inventou, mas ele ainda não aprendeu em todo planeta a distribuir a riqueza sem
muita miséria paralela), os donos do poder (donos econômicos, financeiros,
administrativos e políticos), para ocultarem a situação de injustiça brutal do
sistema, frequentemente usam um truque: manipulam os sentimentos mais
profundos, mais pré-históricos e mais animalescos da população, para continuarem
explorando-a parasitariamente (assim como para permitir que suas bandas podres
acumulem riquezas ilicitamente, por meio da criminalidade organizada).
A população explorada, espoliada, irada, indignada
e desesperançada, que não tem acesso a nenhum padrão de qualidade de vida,
quando “ferida” em seus brios, em suas convicções ancestrais, magicamente
esquece suas degradantes privações materiais, sociais, intelectuais, vitais e
culturais; os demagogos sabem como ninguém fazer com que a população precarizada
se anestesie diante da sua péssima condição de vida, sua falta de perspectivas
futuras. O engodo está em saber manipular os valores tradicionais, os
moralismos familiares, a demonização das drogas, os ódios aos menores das ruas,
aos camelôs etc. A população, quando inflamada em suas paixões mais primitivas,
cai facilmente no conto do vigário. É dessa forma que os donos do poder
canalizam a distribuição da riqueza para eles (sem gerar revoluções violentas).
O estratagema é infalível: é preciso divertir a
patuleia e, ao mesmo tempo, envenenar as massas rebeladas, mexer com seus brios
e seus “valores” sagrados ou profanos. É assim que os privilégios são mantidos
muitas vezes com o dinheiro público (financiamento “amigo” junto ao BNDES,
políticas fiscais de incentivo, escolas excelentes somente para as elites,
medicina boa para quem tem dinheiro etc.). O dinheiro de todos custeiam as
benesses de alguns. A mais perfeita manipulação ideológica consiste em fazer
com que a classe média e o espoliado (o fracassado, o excluído, o desgraçado, o
explorado, o usuário dos serviços públicos) sonhe em ser como o dominador (Lima
Barreto). Os políticos populistas sabem disso muito bem. Para assumirem o
poder, chegam a jogar o povo contra os donos do poder. Depois, como se sabe
historicamente, são os interesses destes que vão predominar.
Veja, por exemplo, o que dizia o aloprado Juán
Domingo Perón (em 1955): “Ou lutamos e vencemos para consolidar as conquistas
alcançadas ou a oligarquia as destroçarão no final. Oferecemos a paz, e eles
rejeitaram. Agora vamos oferecer a luta. E eles sabem que quando nós nos
decidimos lutar, lutamos até o final. Esta luta que iniciamos nunca vai
terminar até que nos tenham aniquilado e massacrado”. Esse tipo de visão que
divide o mundo em dois está presente na tradição da América Latina (veja
Fernando Mello, El País). Tanto de baixo para cima como de cima para baixo. Os
populistas demagogos, para conquistarem o poder, jogam o povo contra os donos
do poder. Os donos do poder, por sua vez, se servem da democracia populista, do
Estado, do Direito, da Justiça e, sobretudo, dos políticos para subjugarem o
povo e espoliá-lo (até à medula) por meio da má distribuição da renda, do
capital, dos bons salários, da educação de qualidade, das relações sociais, do
equilíbrio emocional, da cultura, dos prazeres, dos privilégios, das
hierarquias, do acesso ao bem-estar etc.
É preciso manipular ideologicamente a ira das
massas rebeladas, sobretudo pelos meios de comunicação, para contar com a força
delas para a preservação dos privilégios das classes dominantes. O ódio delas
não pode se voltar contra estas últimas (isso é perigoso!), sim, contra outros
marginalizados, oprimidos (daí a guerra da polícia contra os pobres e
vice-versa, o ódio contra os menores manipulado midiaticamente etc.). Essa é
uma das formas de explicar o apogeu das bancadas fundamentalistas (da bala, da
bíblia etc.) dentro do Parlamento brasileiro.
P. S. Participe do nosso movimento fim da reeleição (vejafimdopoliticoprofissional.
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Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente
do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de
Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e
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